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Foto do escritorJuliana Galvão

Måneskin: Pride Issues (06/2021)

Atualizado: 24 de mai. de 2022


Ninguém é igual a ninguém:

Damiano, Victoria, Ethan e Thomas: Måneskin. Ou seja, a coragem de ser você mesmo.


“Cada um de nós é diferente do outro, a verdadeira justiça é ser julgado de acordo com aquilo que se faz, e não com base no que se é”. Estão convencidos disso os Måneskin que, sendo emblema de uma geração finalmente liberta, dispensam etiquetas e conformismos. Na vida, no amor e no palco. Onde, talvez por esta razão, sempre vencem.

Com o ainda inesperado (primeiro lugar no Festival de Sanremo) e incrível (triunfo no Eurovision Song Contest) brilho nos olhos, os Måneskin estão sentados no sofá da villa-studio que eles arrumaram – para recomeçar a compor músicas e ensaiar -, como se sente após as batalhas vencidas: deitados em um silêncio calmo e irreal, vigilante e um pouco irreverente, feliz.


No jardim, há uma mesa de ping-pong e piscina, a luz do verão quando o campo ao seu redor estiver florindo e, para centro das amplas janelas, vai do preto brilhante do cabelo de Ethan – que combina com a sombra nos olhos – a borboleta tatuada no antebraço nu de Thomas, que completa o quadro do crucifixo de ouro entre o pescoço e a camiseta de Victoria, e os acabamentos no esmalte escuro das mãos de Damiano.


É um afresco humano, um “Teatro D’Ira” - para encaixar nas palavras do título do último álbum da banda, já platinado, no qual seus vinte anos anunciados, sua feminilidade e virilidade irrituais tornam-se um ritual orgulhoso e desafiador – um manifesto pop, glam-rock geracional da liberdade conquistada a um alto preço, em uma expressão do “eu” finalmente incondicional.

Olhando para eles de qualquer lado e de qualquer outra época, pensa-se que um grande amor nascerá naqueles que entenderem: esta nova forma de estar no mundo, o reino soberano e verdadeiro onde “diversidade = excepcionalidade” que carregam, o poder da revolução artística e cultural da qual são portadores sadios em consagrar, em cada texto e gesto, o direito de viver segundo a própria natureza “apesar das pessoas que falam, que infelizmente falam, e não sabem de que porra estão falando” (cit. Zitti e Buoni).

Nós nos levamos onde estamos flutuando, onde não há escassez de ar.

 

Miley Cyrus te procura - números de um fenômeno.


Thomas: “Os streamings de ”Zitti e Buoni” crescem de segundo em segundo, e nos levou a ser mais ouvidos que os Muse, no topo das tabelas inglesas, 12° na classificação global. Seguidores quase triplicados no pós-Amsterdam (de 1.4 milhões a 3.3 milhões). Festa contagiosa e universal: camisetas e merchandising esgotados em dez minutos. Assim como os discos, os ingressos para uma turnê que acrescenta datas e expande no mapa geográfico. Estão nos procurando até para tocar em festivais onde tocaram os Rolling Stones”.

Damiano: “Depois a polêmica instrumental sobre a cocaína que a França inventou contra nós, desmentida pelo meu teste antidroga, na Espanha eles colocaram murais com o meu rosto escritos ‘No Drugs!’. Alguns tweets nos fizeram rir, do tipo: ‘Parabéns Itália! Nunca tive tanta certeza de que quatro pessoas tenham relações umas com as outras’. Miley Cyrus também começou a nos seguir. ‘Você é incrível’ ‘Vocês são mais’”.


Da garagem às estrelas – A história de um voo


Victoria: “Era 2016, e tocávamos em restaurantes e na rua – na Via del Corso. Damiano não tinha nem um microfone, a guitarra de Thomas vivia com as cordas arrebentadas e Ethan tocava em um Cajón. Nas apresentações dos liceus de Roma (Kennedy, Virgilio, Mamiani) tivemos as primeiras confirmações e meia hora de fama, entre pessoas que criticavam e outras que diziam ‘nossa, mas como isso é legal’. Uma das raras vezes que nos pagaram para tocar – 50 euros para cada – oferecemos para quem iria tocar depois de nós, para tocarmos no lugar deles (mais tarde, claro) porque haveria mais público. Já tínhamos entendido como funcionava. A visibilidade valia mais que o dinheiro. E continuamos pensando dessa forma.


A intimidade do Rock – Escolha de um gênero


Damiano: “A música permite esse milagre, de estender aos outros sentimentos muito pessoais e privados, até mesmo difíceis, delicados. São e continuam sendo profundamente seus, mas ao mesmo tempo se tornam uma confissão para um público mais amplo. E essa passagem é uma forma de entrega, eles encontram um pedaço deles em você, uma elaboração deles. Se superam, se aceitam. Em um primeiro momento é agressivo, e logo depois é uma balada. Catártico”.


Contra o pânico - o palco como terapia


Victoria: “Eu sofri muito de ansiedade e ataques de pânico, é um problema que eu trabalhei graças a um percurso de psicoterapia, aos meus amigos e familiares. Tocar baixo ajudou a não me deixar paralisar pelos meus medos, não me limitar na minha vida privada e profissional. Eu aprendi a aceitar e conviver com essa parte de mim. Eu não escondo mais. Não tenho vergonha dele.”.


A análise como necessidade – Confiar salva.


Damiano: “Essa crença de que apenas loucos procuram um psicólogo é ignorância difundida. Ninguém nasce sabendo de tudo. E muitas vezes é difícil entender porque estamos aqui, assim como a mudança e direções dos nossos próprios desejos. É uma viagem longa e legítima para a lucidez, um acompanhamento para nos tornarmos transparentes”.


Estar fora de si – mas ser diferente deles.


Damiano: “Só de sentir uma forte paixão por algo que não é uma profissão canônica, mas uma linguagem artística, te coloca numa posição de ‘anomalia’, que não é nem superior e nem inferior aos outros, mas te coloca na condição daquele que quebra as regras e está perdido, de quem assume grandes riscos na tentativa de, quem sabe, algum dia irá aparecer a oportunidade para você.

‘Do que adianta se você não entender nada?’ Você quer dar uma estética a esse seu sonho, mas tudo se torna ‘Como você está estranho’ Então, você é gay?’. Agora eu tenho 22 anos e rio dessas coisas, mas aos 17 ainda me afetava”


A beleza da singularidade – acreditar e defendê-la.


Ethan: “E na verdade, no fundo, somos todos diferentes - não porque queremos ser ‘alternativos’, mas porque realmente ninguém é igual ao outro. Justiça é sermos julgados com base no que se faz, e não baseado em quem somos. Justiça é paridade, respeito, beleza.”


Sexualidade fluida – Pride e liberdade.


Victoria: “Saltos para os homens que gostam, beijos entre nós... temos a mente aberta e estendida, e temos orgulho disso. Os horizontes se tornam vastos para além da opressão de famílias conversadoras. Com informações da rede, o conhecimento se enriquece e, com ele, forma a possibilidade de que as minorias sejam cada vez menos minorias, porque as maiorias serão cada vez menos maiorias – dessa forma diminuirá o volume de insultos e assédio moral.

Se as redes sociais chegam a um lugarzinho de 50 pessoas apenas para revelar a 1 pessoa que tem medo da escuridão que outra pessoa tem aquele mesmo medo, não há mais necessidade de dar um nome a esse medo. Não há mais necessidade de marcá-la com rótulos que limitam e constrangem. Em mim, essas definições sempre tiveram esse efeito. No julgamento sobre uma pessoa o gênero não deveria nem ser considerado, e muito menos a orientação sexual.”

O sexismo – uma cultura a ser desfeita.


Damiano: “Emma [Marrone] soltou a bomba: ‘na minha época de Eurovision fui massacrada por usar um short, com Damiano eles não disseram nada’. O julgamento fácil contra o feminino é mais feroz, constante, humilhante – se eu fizer muito sexo, sou incrível, e Vic seria uma prostituta; onde eu me mostro forte sou um líder e Vic uma despótica e chata, que faz sucesso por ser gostosa. Como homem, sou privilegiado porque os comentários que ouço não são nem comparados aos vividos por uma mulher – os comentários sobre a minha estética são focalizados apenas na minha estética e não vão insinuar nada sobre o meu profissionalismo e a minha especialidade, enquanto as mulheres são vítimas desse pensamento de forma sistêmica. Porém, já aconteceu comigo de encontrar com uma pessoa que me puxou para tirar uma foto e começou a lamber meu rosto... ‘o que é isso? Você me pediu?’. O consentimento existe e é uma obrigação.”


Crescimento pessoal – O único comando

Ethan: “Para mim, o conformismo é o contrário da educação e a asfixia da expressão. Eu, por sorte, não sofri um bullying muito pesado, que fizesse com que o julgamento dos outros me mudasse de alguma forma. Mas a matriz do que me construiu e a agressão que ficou marcada é a mesma. Se eu sou um garotinho que dança e gosta de bonecas, tem que me deixar em paz. Eu era um garoto que queria deixar os cabelos longos e brincava com Barbies. Os meus amigos da adolescência me olhavam e diziam ‘você tem que encontrar uma garota com o corte de cabelo curto para ficar com você’. Meus avós cortavam o meu cabelo: ‘Pare com isso. Não são para você.’”

Victoria: “Com seis anos eu já não tolerava as diferenças entre meninos e meninas. Eu sempre tive ideias muito fortes sobre como eu queria ser: rejeitava coisas típicas de menina e era zoada porque gostava de andar de Skate, jogava futebol, não usava saias... Eu estava me dando a chance de ser como eu desejava ser. Eu sofri, e sofri um pouco, mas eu tive coragem e hoje, graças a aquela coragem, sei que poderia ter ficado muito mais magoada, ou então teria arriscado de deixar a decisão mais importante para os outros: as decisões sobre mim.


Amores em curso – A música, os namoros.


Ethan: “Eu sou casado com a música há 20 anos. Não vejo a hora de festejar as bodas de ouro”


Thomas: “Cada um tem suas próprias experiências, as vezes dá certo e as vezes não. Mas nunca diz respeito a ninguém”


Victoria: “Quando eu tive sentimentos e atração por uma garota pela primeira vez foi um pouco desorientador, porque eu nunca tive coragem de ir além das limitações que eu tinha imposto a mim mesma. Para a sociedade, ser heterossexual é a regra e, por conta disso, muitas vezes as pessoas se fecham automaticamente e se privam da própria liberdade – de poder viver muitas formas e tons diferentes de amor.

Uma vez que foi superada a insegurança inicial de ter que colocar em discussão minhas próprias certezas, vivi minha sexualidade de maneira muito natural e livre, como deveria ser para todos”

Damiano: “Eu tinha papparazzis perto da minha casa, dia e noite. Então, depois de quatro anos de relacionamento, revelei o seu nome. Continuo tendo papparazzis perto de casa – dia e noite -, mas pelo menos não preciso esconder mais nada.”


O valor do grupo – fenomenologia da proteção


Thomas: “Mas o verdadeiro relacionamento, a verdadeira família está entre nós: a nossa banda. Acreditamos uns nos outros desde o primeiro dia, até antes de nos chamarmos ‘Måneskin’, antes que Ethan desenhasse uma lua gigante na frente do primeiro show das nossas vidas. Compartilhamos tudo, até a dor pela tragédia de Seid Visin (morto por suicídio a 20 anos, porque era vítima de racismo). Um grupo é aquilo que todos nós devemos fazer: ficar unidos e não recuar minimamente diante dos abusos gerados por uma visão distorcida de diversidade.”



Non ho l’età - como Gigliola.


Damiano: “Antes de nós, a única a vencer o Festival de Sanremo e o Eurovision logo em seguida foi Gigliola Cinquetti (1964). Se tem uma coisa que sinto que ainda não tenho idade para fazer? Não, sinceramente não. Talvez para ter filhos. Para ter filhos, sou honesto: não tenho idade”.


Tocaram o céu - os medos continuam


Damiano: “Estamos vivendo mais que um sonho, estamos em um sonho conquistado. Para voar alto, o risco é cair e se machucar, mas tentaremos não acabar como Ícaro - que queima as asas com o Sol. Está tudo em nossas mãos. E isso – um pouco presumido – estrondosamente - não nos assusta mais, mas tranquiliza.”



 

Tradução: Juliana Galvão | Portal Måneskin Brasil © 2022

Original: Lavinia Farnese | VANITY FAIR © 2021


Todos os direitos reservados a VANITY FAIR.

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